Cura pelos Clássicos de Ficção: A Hora da Estrela de Clarice Lispector
Crônica sobre o livro A hora da estrela de Clarice Lispector e meus pensamentos mais sinceros sobre a obra e sua criadora.
Quinto post crônica de livro da serie Cura pelos Clássicos de Ficção.
— — —
Último livro escrito por Clarice Lispector, A hora da estrela foi publicado em outubro de 1977, menos de dois meses antes da escritora falecer. O romance que narra a vida da nordestina Macabea, que após perder sua única tia e parente, muda para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor, é um clássico da literatura brasileira.
Com enredo e desfecho promissores, tem como destaque a existência de um narrador masculino que conta a história ao mesmo tempo em que a escreve. Esta narrativa diferenciada faz com que esta seja a obra mais famosa da escritora que viveu boa parte de sua vida no Brasil (e que se considerava brasileira), apesar de ter nascido na Ucrânia.
E foi somente por isso que adicionei este livro na lista, mas confesso que faço essa review com uma ponta de arrependimento. Achava que mudaria minha impressão sobre a obra com essa nova leitura, mas me enganei. Preciso ler algum outro livro de Clarice Lispector para que ela se redima comigo. Aceito sugestões.
— — —
Sobre o livro A hora da estrela e Clarice Lispector
Eis um caso em que é praticamente impossível dissociar obra de criador. Clarice tinha consciência de não ser uma escritora normal, “Tem gente que cose para fora, eu coso para dentro”, disse em uma de suas raras entrevistas. Isso porque ao invés de exaltar seus valores, praticava o auto-conhecimento através do exercício da linguagem.
Mas questiono a relevância literária de um livro cujo mito criado envolto de sua própria criadora tem mais importância do que a obra em si. Clarice Lispector não escreveu A hora da estrela pra ser lido, mas para revelar-se, mostrar o que realmente existia em sua essência.
Se tivesse o desejo real de ser lida quando escreveu sua obra derradeira, teria tido ao menos o cuidado de não ser tão repetitiva ou cansativa. Demorei muito tempo para entender a agonia que senti em cada parágrafo nas vezes em que li este livro: ela é fruto da insistência da autora em minimizar Macabea e transformá-la em menos do que nada.
Não me entendam mal, a premissa da obra até que é boa. O duelo entre a personagem principal e o personagem narrador é o que faz desse livro uma obra prima. Mas incomoda muito a falta de estrutura do ser “Macabea”. Impossível alguém ser tão mal elaborado como ela. Tudo bem que a proposta é de uma anti-heroína, mas o exagero em fazer com que ela seja menos que uma vaga ideia não me convenceu.
Clarice Lispector enquanto escritora foi muito criticada por não abordar o regionalismo em suas obras. Suas publicações geralmente versavam sobre temas bem intimistas, e destacavam-se pela pluralidade de gêneros literários. No entanto, considero A hora da estrela totalmente falho se o propósito foi mesmo de abordar a história de alguém do nordeste que tentou fugir da miséria e da seca, em busca de um futuro melhor no sudeste do Brasil.
Confesso que o excesso da falta de pensar da personagem me é um pouco ofensivo. Não sou do nordeste, mas o mesmo cenário já foi retratado em outras obras brasileiras, com muito mais consistência. Clarice afirma que usou como referências para construir sua Macabea suas memórias de infância passada no Nordeste, e uma visita à Feira de São Cristóvão.
Raso demais, a meu ver, para retratar um povo tão rico em cultura, com tanta história. Macabea poderia ser sim ingênua, mas não oca de pensar, como o narrador Rodrigo menciona. É totalmente inconsistente imaginar que um ser assim teria a iniciativa de “mudar para uma cidade tão longe da sua, para tentar uma vida melhor”, sendo que a Macabea de Clarice Lispector desconhece até o significado da palavra futuro.
O romance foi escrito à mão, em papéis avulsos, e foi a partir deles que Lispector, com a ajuda da sua secretária, elaborou a versão final. Talvez tenha faltado tempo de edição, visto que a escritora faleceu pouco mais de um mês depois da publicação do mesmo.
— — —
Para entender Clarice Lispector, recomendo a leitura da biografia escrita por Benjamin Moser – disponível na Amazon.
Related Posts
Arquitetura antiga de Bruxelas e a “Bruxelização” Sometimes it snows in April, no música de segunda