Arquitetura antiga de Bruxelas e a “Bruxelização”
Termo “Bruxelização” é usado na arquitetura como sinônimo de “desenvolvimento urbano aleatório”.
Para quem como nós vem do Brasil, ver os poucos resquícios de arquitetura antiga de Bruxelas é praticamente um deleite. O centro histórico e sua magnífica Gran Place, o parque do Cinquantenaire, os palácios, os diversos prédios em estilo Art Nouveau …
Mas após estes nossos seis anos vivendo na Bélgica bem sei que esta cidade já foi muito mais exuberante do que é hoje. A sede da União Europeia passou por uma transformação tão destruidora nas décadas de 60 e 70, que o termo Bruxelização passou a ser usado em arquitetura para definir a introdução indiscriminada e descuidada de arranha-céus modernos em bairros gentrificados.
A destruição de belos edifícios em Bruxelas foi tão endêmica, que o termo é usado pejorativamente. A demolição de prédios históricos e a construção de prédios modernos genéricos e sem personalidade – em particular, os edifícios Art nouveau – sofreram muito com o desejo destrutivo dos arquitetos do pós-guerra, que haviam absorvido a doutrina de que “ornamento é crime”.
É muito triste pensar que alguém tenha tido a ideia de demolir a Maison du Peuple de Victor Horta e substituí-la pela Tour Sablon (confira fotos abaixo). A decisão deixou a população decepcionadíssima na época em que o prédio histórico foi demolido, e o episódio é motivo de tristeza para a cidade até hoje.
A arquitetura é uma parte importante de nossas vidas. Quando se constrói apartamentos em torres horrivelmente deprimentes, não é de se admirar que as pessoas que moram lá fiquem deprimidas.
Somado com a pandemia e o fato de que as pessoas estão tendo que ficar em casa mais do que nunca, os casos de depressão e suicídio dobraram aqui na Bélgica. A falta de conforto em casa (o quintal dos europeus são os parques das cidades), a falta de uma bela vista para apreciar… Viver em um lugar que carece de beleza arquitetônica pode nos fazer infelizes.
Se você acha isso um exagero, sugiro a leitura deste post sobre o doc de Roger Scruton, onde ele aborda a questão “Por que a beleza importa”.
Abaixo, alguns exemplos de “antes e depois” de Bruxelas.
Adaptar, reaproveitar: palavras que não fazem parte do vocabulário das empresas de arquitetura de Bruxelas
A cada dia, surgem novos fatos sobre a doença crônica da qual a capital da Bélgica parece não conseguir se curar: a destruição autoinfligida de seu patrimônio arquitetônico. E a bola da vez nem versa sobre um prédio muito antigo – mas uma das poucas construções bonitas em uma das regiões mais mal cuidadas de Bruxelas: os prédios pertencentes ao banco KBC na Avenue du Port.
Este complexo foi construído em 1998, mas possui arquitetura muito semelhante ao Chambon Building – contrução em estilo Art Deco do arquiteto belga Alfred Chambon – e que ao contrário deste, foi transformado em edifício residencial, sem deixar de lado suas características arquitetônicas principais. Foto abaixo:
Abaixo, imagens dos prédios que serão demolidos.
Abaixo, o que será construído no lugar destes prédios lindos.
Detalhe: o canal não é limpo e bucólico como neste desenho.
Sério, comparem o que são os prédios hoje e o que eles querem construir no local. Não tem mesmo como adaptar? Precisa demolir todo para construir esses prédios horrosos no lugar? E é o que sempre acontece por aqui: acompanhei a demolição de um prédio gigante de estacionamentos bem no centro de Bruxelas (quase 3 anos só para demolir), para simplesmente construir outro igual no lugar. Ridículo.
O debate seria longo se entrássemos no mérito “moradia em Bruxelas“. Há quem afirme que falte moradia na cidade, mas existem outros problemas. Quem quer adquirir um imóvel na Bélgica certamente vai concordar comigo que a construção indiscriminada de prédios sem a menor personalidade (feios mesmo) e muitas vezes inadequados para os dias atuais, faz com que a “escassez” seja possível.
Para terem uma ideia, já vi apartamento novo, construído em plena pandemia, sem pia para lavar as mãos no lavabo. E juro que esse é o menor dos problemas.
Já conhecia o termo “Bruxelização“. Mas não sabia que vivê-lo seria tão indignante.
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