Quando percebi que não era mais criança
Percebi que havia crescido quando não encontrei mais uma parte importante que antes existia em mim. Eu havia deixado na infância algo que era fundamental, e que me fazia sonhar infinitamente. Era deitar na cama e fechar os olhos que um mundo de personagens, reais ou inventados por mim, invadiam a mente e despertavam em minha face um alegre sorriso. Naquele tempo eu viajava por caminhos estranhos, como se os conhecesse. E me divertia sozinha, feliz por não ter que dividir meu pequeno universo com ninguém. Achava que nada poderia me tirar esta riqueza.
A minha riqueza de infância consistia unicamente nesta capacidade de criar mundos que jamais existirão e passear por eles, mesmo que isso me custasse o sono de uma noite inteira. De olhos trincados eu via o dia nascer, e no meu universo imaginário todos os dias nasciam com sol. As coisas eram como eu gostaria que fosse, e o mundo com certeza era bem melhor do que este que eu vivo, o real.
E ninguém melhor do que Lygia Bojunga Nunes, em seu adorável “A Bolsa Amarela” para retratar o que é e como é importante este universo paralelo e fantasioso que possuímos quando somos crianças. Ao ler este livro, me senti pequena diante das palavras e da simples forma como a Raquel, personagem principal da narrativa, utilizou para descrever seu desejo de ser escritora quando crescer. Era uma das suas vontades que cresciam e tornavam-se talvez até maiores do que ela. “Um dia fiquei pensando o que é que eu ia ser mais tarde. Resolvi que ia ser escritora. Então já fui fingindo que era. Só pra treinar. Comecei escrevendo umas cartas”.
Com este viés a pequena escritora vai contando sua vida, e paralelo a isso conta um pouco do seu universo imaginário e sua condição de criança que vive entre adultos que não a entendem. Mas, diferente de Raquel, ao deparar-me com a vida real no momento em que alegaram que eu cresci, meu universo paralelo se esvaiu. E o pior de tudo é que a culpa é só minha, por me auto-iludir, por sempre achar que as pessoas podem ser melhores do que são realmente, por apregoar que existe solução para tudo e que não há mal que dure para sempre.
Mas confesso que, recentemente, apesar de me identificar com a personagem de Lygia, desisti de construir todas as noites, antes de dormir, este lindo universo imaginário. De toda a riqueza que eu tinha quando criança sobrou-me apenas isso que chamo de imaginação fértil, e um mundo real e desconcertante a que ainda não me ative a reconstruir. Pelo menos a parte que me cabe. Detenho-me agora a reescrever a realidade que sinto e praguejo todos os dias, através de um site onde tento exibir toda a minha criatividade, nem sempre inspirada.
Será que preciso voltar a ser criança para reconstituir em mim todo o poder de sonhar que antes eu tinha? E será que realizarei meu sonho antigo de ser escritora quando crescer? Talvez Raquel e Lygia ainda tenham muito a me ensinar.
Janina Stasiak
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