Entrevista com Charles Kiefer
Uma singela homenagem, tirada do baú de coisas não completadas em Porto Alegre, concedida para um projeto adiado, com o Patrono da 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, o escritor e professor Charles Kiefer.
Ao Kiefer, com carinho, Janina Stasiak
Entrevista: Charles Kiefer
Como e quando iniciastes teu trabalho com oficinas literárias?
Charles Kiefer – Quando eu fui morar nos EUA em 1986, à convite do Governo americano para participar de um programa mundialmente conhecido chamado International Writing Program – IWP. Lá na Universidade de Iowa, às quintas-feiras à noite nós que éramos escritores de 94 países, por afinidade lingüística nos reuníamos para ler textos uns para os outros, discutíamos e fazíamos um trabalho mais ou menos parecido com o que vim à fazer no Brasil. O que eu gostava muito no método utilizado nos EUA era a absoluta liberdade, o caos, o direito inclusive a beber álcool durante as aulas. Era algo muito diferente, nada formal, nada acadêmico. Quando voltei para o Brasil no final de 1987 eu abri oficinas na Casa de Cultura Mário Quintana nesses moldes, sem interferir no estilo do aluno, permitir que cada um se desenvolva por conta própria, mas dando balizamento teórico e aprofundamento técnico sobre a literatura que a pessoa está produzindo. Do ponto de vista metodológico, eu produzo a teoria a partir da prática do aluno, incorporando todo o instrumento teórico que temos, onde é estudado desde Aristóteles e Platão até a teoria atual. Mas em uma certa altura do meu trabalho me dei conta de que precisava ter uma formação mais rigorosa e acabei indo fazer mestrado e doutorado em Teoria da Literatura. Com isso, as oficinas têm suporte na Teoria Literária, mas sempre em volta da prática do aluno. Eu também sou professor da PUC na Graduação e Mestrado de escrita criativa e lá as aulas são bem mais formais, onde chego com a teoria pronta. Nas oficinas, a teoria nasce da produção, da práxis do aluno.
Como funcionam tuas oficinas, elas tem uma regularidade?
Charles Kiefer – Agora aqui na Palavraria eu tenho sete grupos em funcionamento. Raramente eu abro grupo novo porque os antigos não querem terminar, deixar de fazer oficinas. Então este ano eu desmanchei um grupo na terça, aloquei os alunos que queriam continuar para outros grupos e abri então um grupo novo. Não sei agora quando vou conseguir abrir mais um outro grupo. Tenho alunos com 16 anos de oficina: a Monique Revilion, o Reginaldo Pujol e o Rudiran Messias, que são alunos que já tem livros publicados e obras consolidadas. Eles têm uma aula semanal, hoje mesmo eu dei uma aula teórica e fiquei meio brabo, às vezes eu brigo com os alunos porque se ficar no marasmo a coisa não funciona. Não é passando a mão na cabeça deles que eles vão evoluir. Com diz Freud, “educação é repressão”, o aprendizado só nasce com rigor e um pouco de repressão, se não desanda.
Qual você acredita ser o papel de uma oficina no cenário literário atual?
Charles Kiefer – Nos países periféricos a oficina é vista de uma forma preconceituosa. Nos países industrializados, ninguém discute a validade ou não de uma oficina literária. Num país evoluído todo mundo entende que uma oficina não produz gênios, ela possibilita que os gênios se expressem. Num mundo competitivo muitas vezes o aluno não tem sequer um espaço para mostrar o seu texto. Talvez hoje tenha mais por causa da internet, mas ela não é um espaço que canonize o texto literário. Se uma pessoa diz para um editor que possui mil textos publicados em seu blog isso não significa absolutamente nada. Agora se a pessoa já ganhou algum concurso literário, se já tem alguns livros publicados, algumas antologias, isso passa a dizer alguma coisa. Publico muitos livros com textos dos meus alunos, temos uma parceria com as Editoras Nova Prova, Bestiário e WS, que são editoras pequenas aqui do RS e que publicam muitos alunos meus. Com isso vai se constituindo um sistema literário próprio e interno e que no futuro vai ser estudado como um fenômeno literário. Tenho certeza de que hoje há um conjunto de escritores extraordinariamente bons que são, na minha opinião, os melhores escritores da literatura gaúcha da atualidade, que nasceram, se criaram, se desenvolveram e estão nas oficinas literárias. Só citando meus alunos: Juarez Guedes Cruz (contista), Monique Revilion (contista), Ana Mariano (poetisa), Guido Copichi, Lúcio Boechadt, e muitos outros.
O que se espera com a publicação de coletâneas como “104 que cotam”?
Charles Kiefer – Eu acho que a idéia dos 101, 102, 103 e 104 que contam é absolutamente generosa. Tem que ser meu aluno para entrar no livro e eu somente pergunto se ele quer mostrar o texto dele, esteja bom ou não. É democrático e aberto, para possibilitar que todos possam publicar. É lógico que só faço isso nessa coletânea, nas antologias tudo é trabalhado pacientemente. Na última antologia que publicamos, que foi feita pela Editora Nova Prova, chamada de Inventário das Delicadezas, é um livro muito bom, uma das melhores antologias já publicadas no RS. E isso tem diferença, uma coisa é antologia geral onde o que vale é a vontade do novo autor em publicar e outra coisa é uma seleção para fazer uma boa antologia. Acho que esse é um processo, começamos publicando algumas coisas e depois chegamos à obra prima. O que não impede que dentro de uma obra de mais de 100 contos tenha muita coisa boa. A seleção dos 104 que contam foi um pouco mais rigorosa porque ela conta somente com alunos antigos meus, não são só novatos.
Recordo de uma única vez que vi algo sobre tuas oficinas literárias em jornal. Concorda que a mídia não tem dado espaço para este tipo de manifestação literária, principalmente em se tratando de novos escritores?
Charles Kiefer – Concordo. Eu vivo brigando por causa disso, já estou cansado. Acho que a mídia faz um “deserviço” nesse sentido, a gaúcha especialmente. Mas isso é um fenômeno mundial, o divulgador da grande imprensa é pautado de fora para dentro. São as grandes agências, as grandes editoras que mandam material pronto e debulhado e eles só reproduzem aquilo que lhes chega pronto. E em alguns casos recebendo jabá. Essa é uma guerra perdida e até entendo que o sistema seja assim mesmo, não vai mudar. Então acho que precisamos procurar o espaço alternativo. O novo autor é autor de espaço alternativo, seja por blog, internet, editoras pequenas, jornais pequenos. Nesse momento até tenho um acordo muito interessante com o Jornal da Capital do Júlio Ribeiro, ele publica todos os meses um conto de um aluno meu. Aos poucos a mídia mais inteligente está se dando conta de que tem coisas de muito boa qualidade nas oficinas literárias e que isso tem que ser valorizado. No ano passado tive dez ou doze escritores alunos meus que venceram concursos literários municipais, estaduais e nacionais. Já fiz matérias enormes para o jornal O Globo, já fiz matérias enormes para grandes jornais do centro do país, Belo Horizonte, Brasília, mas aqui nunca fiz nada.
Consegues dizer com exatidão quantas alunos e oficineiros já tivestes? Alguns que já tenham feitos vôos maiores?
Charles Kiefer – Tenho, mas não gosto muito de falar disso. Acredito que já tive em torno de dois mil alunos. Acho que se pegarmos antologias como O Livro dos Homens, O Livro das Mulheres, são pessoas que já passaram pelas minhas antologias, pelas minhas oficinas. Tem muito autor reconhecido que já foi meu aluno, não vou citar nomes para não deixar chateado quem não foi.
O que um novo autor precisa fazer para se realizar enquanto escritor?
Charles Kiefer – É complexa esta pergunta. Isso entra no psicológico. Vou responder estranhamente: o que eu acho é que a realização de um escritor é a eterna insatisfação. Essa é a realização do verdadeiro escritor. Ele nunca está satisfeito com o próprio texto.
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