Maravilha de ironia
Tem recebido considerável destaque na mídia recentemente uma campanha para eleição da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, como uma das novas sete maravilhas do mundo. Os resultados foram divulgados há pouco e, não surpreendentemente, a estátua projetada pelo escultor francês Paul Landowski foi escolhida. A organização responsável pela eleição diz que mais de cem milhões de pessoas deram sua opinião na escolha. Ou melhor, cem milhões de pessoas com acesso a celulares ou internet – os meios utilizados para votação. Cem milhões de pessoas que decidiram seu voto por orgulho patriótico, a grande maioria delas certamente sem nem mesmo considerar o que seria preciso para definir algo como uma “maravilha do mundo”.
Pensemos nós, então: o que define uma “maravilha” do mundo? Aparentemente, é preciso apenas ser escolhido pela empresa suíça New Open World Corporation, e estar localizado em algum lugar com muita gente com telefones celulares ou acesso à internet. Ou ter gente com muito dinheiro disposta a comprar votos, já que além dos votos“gratuitos”por internet e celular, votos podiam ser comprados em grandes lotes mediante módicos pagamentos. Ah, e não podemos esquecer também, é preciso não irritar ninguém da New Open World Corporation, uma vez que as regras do concurso diziam que votos poderiam ser excluídos sem aviso prévio nem justificativa por parte da empresa.
Eleição deveras respeitável, não?
Talvez por isso a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, responsável pelo projeto Patrimônio Mundial que cataloga e preserva inúmeros locais de importância cultural, histórica e natural para a humanidade – fez questão de se distanciar de tal escolha. Ainda mais interessante que o processo de votação é a seleção final de “maravilhas do mundo”. O que, exatamente, faz a estátua do Cristo Redentor, de38 metrosde altura e que não exigiu nenhum avanço ou descoberta durante sua construção, ser mais “maravilhosa” que a represa de Itaipú, a maior barragem hidroelétrica do planeta? Nada, a não ser uma população facilmente iludida, aparentemente. Um símbolo religioso de construção banal traz mais orgulho e esperança ao povo do que um dos maiores projetos de engenharia já realizados pelo ser humano, responsável por mais de 20% de toda a energia elétrica consumida no Brasil. O que põe qualquer um dos candidatos selecionados à frente de grandes feitos de engenharia do homem moderno, como o Canal do Panamá, ou a ponte Golden Gate, ou o túnel sob o Canal da Mancha? À exclusão do Cristo Redentor, sua idade, talvez. Ninguém ainda conseguiu explicar isso muito bem.
Enquanto os executivos e acionistas da New Open World Corporation enchem os bolsos de dinheiro, o povo brasileiro comemora sua vaga na lista e continua esquecendo a corrupção, o crime, a fome, a miséria e – mais ironicamente – sua própria falta de educação.
Maravilha.
Por Rodrigo Barni
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